João Otávio Montanhani Peres, discente do curso de Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais unidade Frutal/MG.
A instituição Poder Judiciário desempenha o precípuo trabalho de pacificar os conflitos sociais e aplicar o ordenamento jurídico brasileiro de modo a garantir segurança jurídica e impor limites à condutas, atos e fatos de relevância para o direito. Com sua estrutura, competências e atribuições expressamente definidos na Constituição Federal da República, os órgãos jurisdicionais respondem, ainda, perante o Conselho Nacional de Justiça, ente responsável por administrar e estabelecer diretrizes para a magistratura nacional.
Nesse contexto, ante a crescente difusão de tecnologias de inteligência artificial (IA) no dia-a-dia dos profissionais operadores do direito, que gradativamente têm passado a fazer uso dessas ferramentas em processos e sistemas judiciários, o CNJ passou a se preocupar com a criação de instrumentos normativos que regulamentem seu uso por magistrados e servidores da Justiça, de forma a garantir ética, segurança e respeito aos Direitos Fundamentais.
Forte nessas razões, o CNJ editou a Resolução nº 615, de 11 de março de 2025, com escopo na parametrização e fiscalização do desenvolvimento, uso e governança de soluções de IA pela magistratura. Tal medida, vale menção, surge em resposta a um contexto de complexa transformação digital e de aumento da judicialização no país, exigindo do Judiciário respostas céleres e eficientes, cujo uso consciente da IA, pode, em muito, auxiliar nesta árdua missão, sem que para isso se coloque em detrimento à ética profissional e a qualidade da prestação jurisdicional. Nesse cenário, o CNJ se faz importante para planejar de forma estratégica o uso de IA pelo Judiciário, promovendo a união entre inovação tecnológica e os Direitos Fundamentais que asseguram o Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Inteligência artificial; Poder Judiciário; Resolução CNJ; governança digital.
Instituído pelo artigo 103-B da Constituição Federal (CRFB/88), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) exerce controle sobre a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, em estrita harmonia com o art. 37 da Lei Maior, que consagra os princípios da administração pública. Essa previsão constitucional nutriu o CNJ com a legitimidade para promover transformações estruturais no Judiciário, especialmente no que tange à incorporação de tecnologias em pleno desenvolvimento, como a inteligência artificial (IA).
Nesse contexto, o CNJ tem se posicionado na vanguarda como articulador da transformação digital no Judiciário brasileiro. Nesse sentido, “o papel transformador do CNJ é central para enfrentar as ineficiências adaptativas do Judiciário e promover maior transparência, eficiência e acessibilidade”. (Jansen; Pereira; Abreu, 2024, p. 288).
Neste cenário, a Resolução CNJ nº 615/2025, cujo teor reforça o disposto na resolução CNJ nº 332/2020, surge como instrumento normativo essencial ao parametrizar orientações éticas para o uso de IA pelo Judiciário. Nesse sentido, a resolução abarca princípios como a transparência algorítmica, não discriminação, proteção de dados pessoais e responsabilidade social (CNJ, 2025) alinhando-se à CRFB/88 e promovendo os ditames da administração pública às soluções automatizadas.
Além disso, a resolução se estrutura na criação de “modelos de transparência que segmentem o uso, operação e riscos dos sistemas de inteligência artificial” (Maranhão; Junquilho; Tasso, 2023, p. 147), eis que visa garantir não apenas o controle interno do uso de IA pelo Judiciário, mas também a prestação de contas à sociedade. Ademais, a importância da governança digital deve ser balizada pela necessidade de regulação equilibrada das novas tecnologias, de modo que “a governança de novas tecnologias deve ser colaborativa, flexível e capaz de se adaptar às rápidas mudanças no ambiente digital”. (Faleiros Júnior; Cordeiro, 2024, p. 68).
Por fim, necessário complementar a discussão com a reflexão de Jaime Simão Sichman, professor titular do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da USP de São paulo, o qual aponta que o desenvolvimento da IA, se mal regulamentado, pode gerar riscos que “só serão adequadamente controlados por meio de espaços de debate adequados entre os atores envolvidos” (p. 38, 2021). Assim, conclui-se ser salutar a atuação do CNJ na formulação de políticas de governança digital no Judiciário.
O objetivo geral deste trabalho é avaliar quais parâmetros o Conselho Nacional de Justiça definiu para o uso de IA pelo Poder Judiciário e de que forma tais critérios se amoldam à perspectiva da relevância jurídico-institucional do CNJ, de modo a entender os impactos da governança digital na magistratura brasileira.
A pesquisa foi concebida e realizada a partir do método dedutivo, com abordagem qualitativa e documental, por meio do estudo e da coleta de bibliografia acadêmica e normativa, quer sejam artigos, periódicos e, principalmente, pelo exame da resolução nº 615/2025 do CNJ.
A ascensão das ferramentas de inteligência artificial exige da Magistratura nacional a tomada de um passo rumo à modernização, visando a eficiência da prestação jurisdicional. Nessa senda, a atuação do CNJ, com base nos ditames da Constituição Federal, mostra-se fundamental para assegurar que essa transformação ocorra de forma ética, segura e alinhada com os fundamentos da administração pública.
Por essa razão, a Resolução nº 615/2025 do CNJ consolida a preocupação institucional do poder Judiciário com a utilização consciente da IA, fixando princípios como transparência, não discriminação e proteção de dados, todos à Luz da Constituição Federal. Assim, alcançou-se a reflexão sobre o modo como o CNJ reafirma, com sua força institucional, seu papel estratégico na construção do Judiciário brasileiro, que se mostra um ente complexo, cuja renovação caminha lado a lado com as tendências da sociedade.
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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Resolução nº 615, de 11 de março de 2025. Estabelece diretrizes para o desenvolvimento, utilização e governança de soluções desenvolvidas com recursos de inteligência artificial no Poder Judiciário. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original1555302025031467d4517244566.pdf.
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FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; CORDEIRO, Luiz Felipe de Freitas. Governança digital e regulação de novas tecnologias: desafios e perspectivas a partir da Lei da Liberdade Econômica. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 31. 2024, Brasília. Anais […]. Florianópolis: CONPEDI, 2024. p. 68-70. Disponível em: http://site.conpedi.org.br/publicacoes/l23282p8/h5si1pvi/NbBMsISMr1EpYQ32.pdf. Acesso em: 27 abr. 2025.
JANSEN, Euler Paulo de Moura; PEREIRA, Maria Marconiete Fernandes; ABREU, Rogério Roberto Gonçalves. Transformação digital no Poder Judiciário sob a lente do neoinstitucionalismo de Douglass North. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 31. 2024, Brasília. Anais […]. Florianópolis: CONPEDI, 2024. p. 288-289. Disponível em: https://site.conpedi.org.br/publicacoes/l23282p8/ea868t29/1ocdh4Z75pkh5x1M.pdf. Acesso em: 25 abr. 2025.
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